QUEM MATOU ANÍSIO TEIXEIRA
"Biógrafo: Anísio Teixeira foi levado à Aeronáutica antes de desaparecer
Biógrafo de Anísio Teixeira, João Augusto Rocha (à direita), participa de audiência pública da Comissão da Verdade sobre as ciscunstâncias da morte do educador Foto: Divulgação / Unb

Rafael Soares - O Globo
RIO - Para o professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA) João Augusto Rocha, o educador baiano Anísio Teixeira foi vítima de um crime político. Aos 61 anos, Rocha não conheceu Teixeira pessoalmente, mas passou a ter contato com sua história quando quando era presidente da Associação de Professores da UFBA, na década de 80. Hoje, é biógrafo de Anísio e já tem um livro publicado sobre a vida do educador, "Anísio em movimento", de 1992. Atualmente, ele ajuda a família de Anísio a montar o quebra-cabeças que comprovaria o assassinato do educador baiano. Na última terça-feira, quando representantes da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da Comissão da Verdade da Universidade de Brasília (UnB) assinaram um termo de cooperação com o objetivo de ampliar as investigações da morte do ex-reitor da UnB, Rocha e a família de Teixeira entregaram à CNV um dossiê com depoimentos que reforçam a tese de que Anísio foi assassinado.
Anísio, que foi da UnB de 1963 até o golpe militar, quando foi cassado, foi encontrado morto no fosso do elevador do prédio onde morava seu amigo Aurélio Buarque de Holanda, no Flamengo, em 13 de março de 1971. A versão oficial aponta morte acidental. No entanto, jornais da época relatam que não havia sinais de queda: duas vigas de concreto que ficavam localizadas acima do fundo do fosso com um palmo de distância entre si seriam rompidas com a passagem de um corpo. Elas foram encontradas intactas.
Em entrevista ao GLOBO, o professor conta detalhes sobre o dossiê e afirma que ouviu de fontes que tiveram acesso a informações privilegiadas do regime militar, como o ex-governador da Bahia Luiz Viana Filho e o acadêmico Abgar Renault, que Anísio foi detido e levado para instalações da Aeronáutica no dia em que desapareceu.
O GLOBO: O que leva o senhor a defender a tese de que Anísio Teixeira foi assassinado?
Rocha: Em 15 de dezembro de 1988, eu tinha uma entrevista marcada com o ex-governador da Bahia Luiz Viana Filho, morto em 1990. Ele marcou encontro comigo na casa dele, porque sabia que eu estava escrevendo um livro sobre o Anísio. Levei gravador e gravei nossa conversa. Ao final, ele me pediu para desligar e disse que ia me contar uma informação que ainda não havia revelado a ninguém. Segundo ele, que estava com mandato em curso em 1971 e tinha boas relações com os militares, Anísio marcou às 11h do dia 13 de março um encontro na casa de Aurélio Buarque de Holanda para pedir seu voto em sua candidatura à Academia Brasileira de Letras. Mas ele nunca chegou lá. Viana Filho confessou que, no mesmo dia, Anísio foi detido e estava preso na Aeronáutica.
O GLOBO: Você não tem o depoimento gravado?
Rocha: Não. Ele falou em off. Só estou dizendo agora porque a família me autorizou e porque não quero morrer guardando a informação.
O GLOBO: Anísio já estava sendo ameaçado antes de morrer?
Rocha: Um mês antes, o deputado Rubens Paiva desapareceu. De acordo com Viana Filho, a morte de Anísio fazia parte da mesma operação, orquestrada pelo brigadeiro João Paulo Burnier, figura conhecida do regime militar, que tinha um plano contra os intelectuais brasileiros contrários ao regime.
O GLOBO: Alguma outra pessoa confirma a informação de que Anísio foi levado para o quartel da Aeronáutica?
Rocha: Sim. O acadêmico Abgar Renault, antes de morrer, em 1995, procurou o genro de Anísio, Paulo Alberto Monteiro de Barros, o Artur da Távola. Ele tinha a informação, dada pelo então comandante do 1º Exército, Sizeno Sarmento, de que Anísio foi visto em instalações da Aeronáutica no mesmo dia em que foi dado como desaparecido. Essa versão se encaixa perfeitamente com a fornecida por Viana Filho. As duas estão no dossiê preparado pela família e entregue à Comissão da Verdade, que tem mais poderes para investigar os fatos. Se for comprovada essa informação, nossa versão está confirmada: Anísio foi, sim, assassinado.
O GLOBO: Há outras evidências de que realmente foi assassinato no dossiê?
Rocha: O médico e professor Afrânio Coutinho, morto em 2000, me deu depoimento dizendo que teve acesso ao corpo devido a um engano do Exército. O rabecão levou o corpo de Anísio no lugar de outro morto - um oficial do Exército que havia se suicidado também no bairro do Flamengo - para o Instituto Médico Legal. Lá Coutinho observou a autópsia. Segundo ele, era impossível ele ter morrido devido à queda. Ele tinha todos os ossos quebrados, o que seria impossível em uma situação de queda. Coutinho também afirmou que a autópsia indicou golpes de objetos cilíndricos no corpo de Anísio.
O GLOBO: Esse depoimento foi gravado?
Rocha: Não. Coutinho não quis gravar, mas afirmou que havia feito um documento contando tudo isso. Segundo ele, esse documento está na ABL com a recomendação de só ser aberto em 2020 (a ABL afirma não ter esse material). Todas essas informações estão em poder da Comissão da Verdade agora.
O GLOBO: Além de depoimentos, há documentos no dossiê?
Rocha: Somos cautelosos quanto a isso. O dossiê apresenta todas as circunstâncias esquisitas que envolveram o crime. Um exemplo: segundo o filho de Anísio, Carlos Antônio Teixeira, seu pai andava sempre com um documento do Partido Comunista (PCB) em sua pasta. Ele era comunista e sempre levava esse papel, que chamava de "registro de avaliação de conjuntura" com ele. Na pasta encontrada junto ao corpo no fosso do elevador, não havia documento nenhum. Fora isso, posso dizer que há fatos que, se investigados, comprovam o assassinato de Anísio.
O GLOBO: Por que todas essas informações só estão sendo reveladas agora, 50 anos depois da morte de Anísio?
Rocha: Existem várias razões. A família tinha medo de retaliações, o clima não era dos mais favoráveis antes. Já eu, tive que aguardar até minhas fontes morrerem. Elas me contaram em off. Seria um desrespeito contar tudo em vida. Com a criação da Comissão da Verdade, não há mais por que esconder."
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