terça-feira, 19 de julho de 2022

Cortes e bloqueios de verbas colocam em risco atividades das universidades públicas no Brasil * Gabriela Amorim/ BrasildeFatoBahia

Cortes e bloqueios de verbas colocam em risco atividades das universidades públicas no Brasil
Ana Lúcia Goes, professora da UBFA e vice-presidente da Apub, aborda o assunto em entrevista
Gabriela Amorim
Brasil de Fato | Lençóis (BA) | 12 de Julho de 2022 às 11:13

Os cortes na verba destinada ao ministério da Educação atingem profundamente as universidades federais, que já se encontravam em situação precária - Marcelo Camargo / Agência Brasil

Com o bloqueio de verbas promovido pelo governo federal para o custeio das universidades públicas, diversas instituições de ensino superior do país afirmam que não conseguirão manter-se funcionando neste segundo semestre. Na Bahia, o Instituto Federal da Bahia e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFBR) já se pronunciaram afirmando que, caso o bloqueio se mantenha, devem suspender o funcionamento em setembro. Este bloqueio se soma à ameaça de aprovação de uma PEC que autoriza a cobrança de mensalidades em universidades públicas e à diminuição do orçamento das instituições de ensino superior que vem acontecendo nos últimos anos. A vice-presidente do Sindicato dos Professores Universitários da Bahia (Apub), Ana Lúcia Góes, explica que esses cortes e bloqueios têm colocado em risco as atividades dessas instituições e a permanência dos estudantes nas universidades.

Ana Lúcia é mestre e doutora em Medicina e Saúde Humana, professora Adjunta do Departamento de Fisioterapia - ICS/ UFBA. / Divulgação

Brasil de Fato Bahia: Professora, o que significa esse bloqueio do orçamento das universidades federais? Qual o impacto disso para as universidades baianas?

Ana Lúcia Goes: No último dia 27 de maio, as universidades públicas foram negativamente surpreendidas pelo anúncio do MEC de um bloqueio de 14,5% do orçamento discricionário das instituições federais de ensino superior, isso representa algo em torno de R$ 3 bilhões. Esse orçamento é para pagar o custeio, que são as despesas elementares, como água, energia, serviços terceirizados de segurança, portaria, limpeza, manutenção em geral, além de bolsas de monitoria e pesquisas acadêmicas e bolsas de assistência estudantil. Então, no caso da UFBA, esse bloqueio corresponde a mais de R$ 26 milhões. E o impacto disso nas universidades baianas é a incapacidade de pagar as despesas básicas para manter as instituições funcionando no segundo semestre de 2022. Estamos falando de limpeza, segurança e infraestrutura. O Instituto Federal da Bahia e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia já emitiram notas de que não conseguirão continuar após setembro. Então é o colapso das instituições federais de ensino superior.

Além desse bloqueio, o orçamento destinado às universidades federais tem decaído ou estagnado nos últimos anos a despeito da inflação, aumento do número de estudantes etc. Isso coloca em risco o tripé do ensino, pesquisa e extensão de qualidade?

Ana Lúcia Goes: Desde 2019, vivemos tempos turbulentos para organizar essa equação. Vivemos constantes bloqueios e cortes orçamentários anualmente. Só pra se ter uma ideia, em abril de 2019, houve um anúncio de bloqueio de 30% para três universidades federais, a UFBA inclusa. Em 2020, a UFBA teve uma redução de 5% para as verbas de custeio se comparando com o orçamento de 2017. Em 2021, houve corte de 18% no orçamento da UFBA. Em termos reais, em 2022, a UFBA voltou a ter o orçamento de 2010. O Plano Nacional de Educação incentivou a expansão das instituições federais de ensino superior ao longo dos últimos anos. E isso fez aumentar a entrada de estudantes, aumentou o concurso docente e para técnico, aumentou a oferta de cursos, mas esse investimento não está sendo acompanhado pelo aumento do orçamento. Ou seja, as instituições federais de ensino superior têm mais despesas e menos receita. As universidades públicas estão intencionalmente sendo sucateadas por um projeto de Brasil que deseja manter as desigualdades, deseja manter a educação para a elite, manter um falso ideal de meritocracia e de oportunidades para todos e todas. E, respondendo a segunda parte da sua pergunta, para além de colocar em risco o tripé ensino, pesquisa e extensão, coloca em risco a própria universidade e o fim a que se destina, que é ser um lugar de produção de conhecimento, de fomento cultural, de crescimento social. As verbas discricionárias também garantem as bolsas de monitoria e de pesquisa, o que ajuda no desenvolvimento de pesquisa, ciência e tecnologia. Nós não podemos esquecer jamais do papel das universidades e institutos públicos brasileiros no combate à pandemia de coronavírus. Na busca incessante para entender a genética, o comportamento desse vírus, produzir vacinas, desenvolver engenharia reversa para manutenção e reutilização de aparelhos de ventilação mecânica e insumos, como a própria fabricação de face shield. As universidades públicas e institutos federais produzem 90% da ciência no país. Os cortes orçamentários, no geral, imobilizam a atuação das instituições federais de ensino superior nos pontos de transformação sócio-cultural e econômica. Muitas atividades de extensão acontecem em locais distantes da cidade, junto à população vulnerável como a população indígena, quilombola, população ribeirinha, periférica, em situação de encarceramento e privação de liberdade. Essas práticas envolvem deslocamentos de pessoas e claro verba para atuação local. Tudo isso se perde com os cortes dessas verbas.

Muitos estudantes também dependem dos auxílios permanência e bolsas para conseguir concluir os estudos no ensino superior. Esses orçamentos também foram afetados?

Ana Lúcia Goes: Com certeza. O maior impacto desses cortes é em relação aos estudantes sócio-economicamente vulneráveis. Pois essa verba também era direcionada para bolsas de programas de assistência estudantil, para moradia, alimentação e transporte, como o Programa Permanecer, por exemplo. E são esses programas que fazem com que muitos jovens permaneçam estudando. E vou lhe dizer mais: nós já observamos os efeitos dessa ação governamental nas IFES. Esses constantes bloqueios e cortes já estão afetando as matrículas nas universidades federais. Houve uma queda de 60% de matrículas no Sisu entre 2015 e 2021. A taxa de desemprego geral, a inflação afastam os estudantes do sonho de um futuro de Brasil mais justo e igual. O aumento na taxa de inscrição do ENEM volta a elitizar a universidade. Para aqueles que resistem, a perda dos auxílios obriga o estudante a deixar de estudar para trabalhar, para ajudar a família, para colocar comida no prato em casa. A universidade não tem como concorrer com essa situação. Quando a taxa desemprego está enorme, a inflação sobe a cada mês e a economia está destruída. Além dos cortes, estamos observando também que parece existir um ataque direto a populações específicas. A cada 10 estudantes indígenas e quilombolas que pedem auxílio permanência, 6 têm seu pedido negado. O aumento da burocracia também afasta estudantes das universidades públicas. Além da autodeclaração, os estudantes indígenas e quilombolas precisam apresentar uma declaração da comunidade de residência, uma declaração da Funai ou da Fundação Palmares e um termo de compromisso, quando antes bastava a solicitação.

A PEC 206/2019 que prevê cobrança de mensalidade nas universidades públicas começou a ser discutida recentemente na Câmara dos Deputados. Por que tantos sindicatos e entidades ligadas à educação se posicionaram contra esta PEC?

Ana Lúcia Goes: A Proposta de Emenda à Constituição 206 de 2019 dá uma nova redação ao artigo 206, inciso 4, e acrescenta um parágrafo 3º ao artigo 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidades pelas universidades públicas. E essa PEC já traz em si dois equívocos importantes. O primeiro quando fere a garantia de acesso gratuito e universal ao ensino superior que a Carta Magna da Constituinte de 1988 afirma como princípio. O segundo, ao desconsiderar que hoje a universidade está ocupada por uma parcela de pessoas com menor nível sócio-econômico graças às políticas e programas de cotas e de bolsas de assistência estudantil, mesmo que essas ainda estejam sob ataque. Aliás, posso até fazer um parêntese e dizer que acredito que é exatamente por isso que esses programas estão sob ataque. E segundo a Andifes, em 2019, com a ampliação do número de universidades, cursos e matrículas, que facilitou o acesso das pessoas às instituições federais, em torno de 86% são de estudantes com renda familiar per capita abaixo de 3 salários mínimos. E em torno de 4,5% dos estudantes estão na faixa de renda familiar acima de 5 salários. A PEC 206 não é viável por diversos motivos. O desejo da base governista é de aprovar a PEC 206 e só depois criar o ponto de corte da renda. E só será definido pelo Poder Executivo sem detalhamento de como será esse controle. Um terceiro ponto diz respeito a criar castas e dividir a universidade entre os que podem e os que não podem pagar. Isso está contramão de tudo que pensamos sobre o projeto de universidade coletiva, integrada, diversa, inclusiva, plural, em que as diferenças possam ser respeitadas em um espaço que acolhe e transforma. Quarto, não existe um estudo que fundamente que o pagamento de mensalidades por aqueles mais ricos será a solução do orçamento das instituições federais de ensino superior. O que inevitavelmente pode levar a um subfinanciamento. Essa PEC 206 já começa fadada ao fim! Nós não a deixaremos passar!

Estamos voltando ao Brasil colônia: vendemos nossa matéria-prima barata e compramos os produtos transformados e que poderíamos nós mesmos produzir

Professora, pode se fazer uma previsão do que todo esse desfinanciamento vai acarretar no futuro da educação e da ciência do país?

Ana Lúcia Goes: O que posso dizer é que o que temos vivido desde 2017 é a tentativa de transformar o Estado mínimo de direitos, saúde e bem-estar, com a retirada gradativa de direitos duramente conquistados desde 1988. Perdemos a batalha para as reformas trabalhista e previdenciária, e, como consequência, o trabalhador vai morrer trabalhando em condições cada vez mais precárias. Tiramos a reforma administrativa da pauta, mas sempre existe a ameaça de retorno. Para educação e ciência, bloqueio e cortes em todas as áreas de transformação do projeto de educação e de país democrático e popular que tanto almejamos. O governo nos asfixia, nos estrangula com cada canetada dada. O que se quer é manter a educação para quem já tem. A ciência também tem sofrido cortes orçamentários, e como consequência direta, o Brasil vive um momento de fuga de cérebros e de esvaziamento da sua produção científica. O que nos leva fatalmente à diminuição de desenvolvimento nacional. Temos menos de 1% do PIB investido em ciência e tecnologia. País que não produz ciência vira consumidor desta, e é isso que está acontecendo com o Brasil. Estamos voltando ao Brasil colônia: vendemos nossa matéria-prima barata e compramos os produtos transformados e que poderíamos nós mesmos produzir, muito mais caros. O projeto de Brasil desse governo não representa o projeto de Brasil que o povo almeja. E cabe a nós ocupar as universidades, institutos e instituições federais e resistir. E depois, reconstruir esse país para que ele possa voltar a crescer, tendo como base a educação em massa, principalmente para as pessoas sócio-economicamente vulneráveis, a reparação social e o desenvolvimento tecnológico.

Edição: Elen Carvalho
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sábado, 9 de julho de 2022

Anton Makarenko * Juventude Comunista Revolucionária/JCR.BR

Anton Semyonovitch Makarenko
1888-1939

"Anton S. Makarenko pode ser definido como a mais forte e rica personalidade da escola e da pedagogia soviéticas em suas primeiras fases de desenvolvimento, desde a Revolução de Outubro até a vitória da edificação do socialismo (1936).

A personalidade de Anton Semiônovitch é extraordinàriamente forte, rica e apaixonada. Makarenko desenvolve nos cinquenta e um anos de sua curta, mas intensíssima vida (1888-1939), um imenso trabalho. Em primeiro lugar estão suas duas grandes experiências, ou melhor, seus dois grandes "poemas pedagógicos”: a Colônia Górki, para menores delinquentes, transformada em poucos anos em uma coletividade laboriosa, sadia e feliz (1920-1927); na Comuna Dzerjinski (1927-1935), na qual o menino abandonado o besprizorniki, torna-se, sob a direção de Anton Semiônovitch, operário culto e altamente qualificado, construtor de modernos implementos industriais (verrumas elétricas, aparelhos fotográficos). A estas grandes experiências estão ligadas as duas obras narrativas mais impmtantes de Makarenko: Poema Pedagógico (1935) e Bandeiras Sobre as Torres (1958). Em seguida, está uma verdadeira série de obras literárias menores, não só novelas e relatos pedagógicos, como também, por exemplo, obras teatrais (destinadas ao conjunto de amadores de sua colônia, pois Anton Semiônovitch considerava o teatro como poderoso meio de educação dos jovens e do povo), e roteiros cinematográficos. Ligados a elas estão também seus artigos, discursos, intervenções, ensaios, etc. Testemunhas da infatigável atividade de Makarenko como organizador e propagandista da educação socialista. Está, enfim, sua obra sistemática, certamente incompleta, dos últimos anos, e em primeiro lugar Conselhos aos Pais no qual Anton Semiônovitch alcança a completa maturidade, sintetizando e aprofundando a grande experiência educativa dos primeiros vinte anos da escola e da sociedade soviéticas."

Atualmente estão disponíveis em Português as seguintes obras:
1936
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sexta-feira, 8 de julho de 2022

A POBREZA DA EDUCAÇÃO NO CENTENÁRIO DE DARCY * FERNANDO GABEIRA - RJ

A POBREZA DA EDUCAÇÃO NO CENTENÁRIO DE DARCY
FERNANDO GABEIRA - RJ

Neste ano do centenário de Darcy Ribeiro, creio que tanto ele quanto outros lutadores pela causa ficariam desolados com o estado da educação no Brasil.

Talvez seja por isso que não se comemore tanto a passagem de Darcy pela nossa vida, uma sensação de vergonha por termos tido gente tão generosa cuidando do tema, e ele ter acabado na mão de pastores ávidos por dinheiro, ouro, mercadores de bíblias superfaturadas.

Mesmo com nossos melhores quadros, teríamos dificuldades com a pandemia. Ela implicaria atraso para todos e, potencialmente, aprofundaria as diferenças entre ensino particular e público.

Com a gestão Milton Ribeiro no MEC, todos os problemas da pandemia foram amplificados pela omissão. Certamente, isso não constará da CPI nem de inquéritos policiais. A História registrará.

O que diria Darcy de um ministro que se coloca contra a inclusão de crianças com necessidades especiais nas escolas, sob o argumento de que atrasam o rendimento das outras?

Típico dos conservadores que fazem tudo para criminalizar o aborto. Têm um grande interesse pelo feto e um absoluto desprezo pelas crianças. Rejeitam planos sociais, combatem a inclusão, defendem o cada um por si.

O ex-ministro de Bolsonaro também afirmou que os gays vinham de famílias desajustadas, numa tentativa desesperada de desqualificá-los. Está sendo processado por isso, mas a pena deveria ser a reeducação. Ministros da Educação de Bolsonaro precisam voltar à escola. O primeiro deles, Ricardo Vélez Rodríguez, mal esquentou a cadeira, e o segundo, Weintraub, estava sempre mergulhado numa batalha contra nosso idioma.

A CPI protocolada na semana passada terá muito o que desvendar ainda sobre o mundo da educação bolsonarista. Os pastores envolvidos frequentavam o Palácio do Planalto e foram uma escolha de Bolsonaro. Ribeiro apenas atendeu ao chefe. Disse isso num áudio vazado e também na Polícia Federal.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é ocupado por um homem do Centrão. Outro dia, uma simples denúncia sobre compra de ônibus escolares apresentava um sobrepreço de R$ 732 milhões.

Os pastores jogavam um jogo mais modesto. Propunham obras a prefeitos e aceitavam propinas pela interferência no ministério. Vendiam bíblias em grande quantidade, algumas com a foto de Ribeiro, grande personagem, que certamente não figura nos Evangelhos.

Ao longo do ano, li que foram comprados computadores em número maior que o de alunos, que equipamentos ultrassofisticados eram destinados a escolas que nem saneamento básico tinham.

Certamente a CPI descobrirá escândalos. De um modo geral, para isso são feitas. Nada, no entanto, consegue revelar o tempo e a energia perdidos com a escolha de Bolsonaro de decretar uma guerra cultural, de destruir as bases reais de nossa educação para atingir seus objetivos ideológicos, como o ensino domiciliar.

No fundo, é também uma guerra contra o ensino público de qualidade, algo que jamais alcançamos na plenitude, o que não significa falta de esforço de muita gente.

Comemorar os 100 anos de Darcy Ribeiro traria à luz muitas dessas vitórias, inclusive as lideradas por ele, como a Universidade de Brasília.

No entanto viveremos esse centenário de trás para a frente: por meio da CPI, veremos como a religião se intrometeu no ensino e como os frutos eram destinados aos bolsos dos pastores e às melhorias em suas igrejas.

No passado, ouvi muita gente dizer que o grande problema do Brasil era a educação. Alguns achavam que o resolvendo, todos os outros também se resolveriam.

Essa tese para mim é um pouco exagerada. No entanto é inegável que muitos problemas brasileiros seriam resolvidos por uma educação pública de qualidade.

O fato de termos chegado a tal ponto de degradação mostra como nos distanciamos dos sonhos e como teremos trabalho daqui por diante, sobretudo agora que não temos Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e tantos outros que dedicaram sua vida à importante causa.

CENTENÁRIO DE DARCY RIBEIRO