INQUISIÇÃO NORTEAMERICANA
Seis pontos sobre a onda de proibição de livros que varre as escolas públicas dos EUA
Nos EUA, obsessão por banir livros nas escolas avança com o apoio de organizações conservadoras – mas alunos se organizam para responder. Por Stephanie K | Liberation – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
Nos últimos dois anos, um amplo movimento conservador contra livros que exponham temas relacionados à comunidade negra, LGBTQ, e outros setores oprimidos, tem crescido nos Estados Unidos. Apesar do trabalho de muitos sistemas regionais de educação pública para incluir uma maior diversidade de livros nas salas de aula e bibliotecas, a reação conservadora está em alta. O que está por trás dessa tendência?
1 – A proibição obsessiva de livros tem raízes na história recente dos EUA, mas sua ferocidade hoje é sem precedentes
A Associação de Bibliotecas Americanas (ALA) observou em um relatório recente que 2021 foi o ano com o maior aumento de objeção a livros, isto é, membros da comunidade se opondo à inclusão de um livro em uma biblioteca. Enquanto grupos religiosos conservadores e de direita há muito tempo vêm tentando censurar materiais disponíveis ao público, esse aumento drástico de objeções a livros representa um esforço concentrado e preocupante por parte de grupos reacionários para controlar o que os jovens podem aprender sobre raça, gênero e sexualidade. Enquanto em 2020 a ALA contou 156 casos de objeção a livros, 729 casos foram reportados em 2021.
Além disso, governos estaduais nos Estados Unidos aprovaram leis contra o ensino da Teoria Crítica Racial (TCR); ela agora se tornou uma expressão geral usada pela direita para abranger qualquer material educacional que destaque o racismo e a intolerância enraizados na história dos Estados Unidos. Em setembro, sete Estados baniram qualquer coisa considerada “Teoria Crítica Racial” das escolas públicas, e outros 16 Estados estão em processo de aprovar proibições similares.
2 – Grupos de pais, apoiados por organizações conservadoras bem financiadas, estão usando campanhas de proibição de livros em um esforço de mobilização das bases da extrema-direita
No Estado do Missouri, por exemplo, pais participaram de reuniões do conselho escolar em pelo menos quatro distritos diferentes sob a orientação de um autoproclamado “grupo de direitos dos pais” chamado No Left Turn (Não Vire à Esquerda, em tradução livre). O grupo tem ligações documentadas com os bilionários irmãos Koch, que promovem organizações anti-sindicais e contra a educação pública nos EUA.
Outro grupo promovendo proibições de livros é o “Mães para a Liberdade.” Este grupo é fortemente promovido por outro grupo conservador, o Pais em Defesa da Educação (Parents Defending Education), que tem ligações com o Cato Institute, um think tank fundado pelo bilionário de direita Charles Koch, de acordo com o The Guardian.
3 – Estes grupos reacionários argumentam que proibir livros é necessário para proteger as crianças
Como exemplo, a famosa Lei HB 1557 da Flórida, informalmente conhecida como “Lei Não Diga Gay”, proíbe professores de discutirem questões de orientação sexual e identidade de gênero com estudantes de qualquer idade nas salas de aula. O governador da Flórida, Ron DeSantis, anunciou, antes de assinar a lei, que “vamos garantir que os pais possam enviar seus filhos para o jardim de infância sem que algumas dessas coisas sejam injetadas em parte do currículo escolar.”
É claro que o desejo de censurar os distritos escolares não tem nada a ver com a proteção das crianças. Se a preocupação com as crianças fosse central para esse movimento, ele se concentraria em realmente nutrir e cuidar das crianças – incluindo crianças LGBTQ e negras que precisam ver suas experiências e lutas refletidas e validadas nos livros que lêem.
4 – As tentativas de censura nas escolas públicas são parte de um esquema reacionário maior que busca destruir direitos democráticos conquistados nos últimos 50 anos por movimentos progressistas
A proibição de livros não está só baseada em racismo e homofobia: ela também é uma estratégia clara para reverter um movimento democrático que busca maior representação de vozes negras e de outras minorias na literatura e nos currículos escolares dos EUA.
As escolas públicas e as bibliotecas, como instituições democráticas, têm a responsabilidade de disponibilizar uma gama de conteúdos que afirmem e apoiem as diversas identidades dos jovens. Desde a era do Movimento dos direitos civis, há uma luta por maior representação da comunidade negra e outras comunidades oprimidas na literatura infantil e no material didático das escolas. A diversificação do currículo escolar e nas bibliotecas avançou após os protestos de 2020 contra a brutalidade policial e o racismo, à medida que diversos distritos escolares passaram a tratar a questão da inclusão de forma mais séria. Hoje, vemos a resposta racista e homofóbica a essa luta por representação.
5 – A proibição de livros e leis anti-Teoria Crítica Racial intimidam os educadores
Quando grupos e políticos trabalham para suplantar a avaliação e o conhecimento dos educadores sobre as necessidades dos alunos, professores e bibliotecários nas linhas de frente passam a arriscar seus trabalhos e salários caso continuem a fornecer conteúdos diversos, anti-racistas ou pró-LGBT. No Texas, onde uma lei anti-Teoria Crítica Racial foi aprovada, os distritos escolares obrigaram professores e bibliotecários a prestar contas pessoalmente de cada texto que usam, e verificam se os “especialistas” consideraram o texto adequado à idade.
Em resposta a essa demanda, a professora texana Emily Clay escreveu em suas redes sociais: “O que eu vou fazer? Eu já não tenho tempo suficiente no trabalho para fazer todas as coisas que requerem que eu faça. O que vou fazer é encaixotar cada um dos livros e deixá-los de lado. E todas as prateleiras [de livros] ficarão vazias. E eu não serei a única a guardar todos os meus livros: salas de aula em todo o Texas estarão sem bibliotecas por causa disso”.
6 – Apesar dos desafios, os alunos estão lutando contra as proibições de livros
No Distrito Escolar Central de York, na Pensilvânia, em 2020, um comitê de diversidade do distrito compilou uma lista de textos para os professores usarem em sala de aula após as revoltas pelo assassinato de George Floyd. No entanto, no ano seguinte, o conselho escolar de Central York votou para proibir o uso em sala de aula de todos os livros na lista.
Indignados, os estudantes começaram a se organizar contra a proibição dos livros, fazendo camisetas e criando cartazes para protestos matinais diários. Os alunos continuaram sua campanha para restabelecer o uso dos livros escrevendo cartas para os principais jornais e lendo trechos dos livros proibidos no Instagram. Eventualmente, os estudantes conquistaram tanto apoio ao redor do país que o conselho escolar foi forçado a reverter sua decisão.
Em Boise, no estado de Idaho, o estudante de Ensino Médio Shiva Rajbhandari conquistou uma cadeira no conselho escolar com uma candidatura feita sobre uma plataforma anti-proibição de livros, contra um candidato apoiado por grupos de extrema-direita.
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